EM  ENTREVISTA - Lucina fala de sua vida e arte, em entrevista aos fãs.


Fã-Clube:  Quando a música surgiu na sua vida como opção de vida?

Lucina:     Foi na época do grupo Manifesto, em 1966. Antes, mesmo participando nas festas da escola, eu não sentia que a música fosse a coisa mais importante para mim.  Quando consegui me libertar da timidez, tocando em grupo de amigos ganhei o apelido de Lúcia Violão, porque o violão sempre me acompanhava nas festas. Eu adorava ficar tocando aquelas músicas da época: Chico, Roberto Carlos, tudo! Aquilo me dava um prazer muito grande porque rapidamente você começa a ficar conhecida nos grupos pois era o Violão da festa.

FC:  Como foi o seu primeiro encontro com Zélia e depois da parceria Zélia e Lucina?

L:    Foi numa festinha, reunião musical . Cheguei tarde e as pessoas tocavam e cantavam na casa de uma amiga – Crika - que falava 24 horas em Zélia, adorava ela! Ao chegar, me enturmei e fui tocar também. Quando chegou a vez daquela menina ali na minha frente de oclinhos tocar – a famosa Clark Kent desforçada – eu fiquei alucinada! Fiquei doida com a voz dela. Achei a coisa mais linda ! Ao sairmos, pegamos carona no mesmo carro e no trajeto ela me falou da sua admiração pelo meu trabalho e por mim. Ela tinha acabado de receber a proposta de gravação do primeiro CD dela, Zélia Cristina, e me pediu uma música. Já no nosso encontro seguinte , desta vez com a presença da Luli, nós mostramos para ela algumas músicas e ela efetivamente gravou “Que cara tem” de parceria minha com a Luli e a Klébi, de SP. A partir de então passamos a nos ver sempre e assim nos tornamos parceiras. Estávamos juntas sempre. Nesta época eu estava cursando Psicodrama em Niterói e me tornei uma Psicodramatista. Como o curso era perto da casa da avó de Zélia – que nesta época morava com a avó – era comum a gente se ver sempre nesta época. Dessa relação de amizade acabei fazendo uma música com uma letra dela – não tem título, é uma balada. A primeira música que Zélia me deu para fazer foi Miopia.

FC:   Como é seu processo de composição? Você recebe a letra pronta e põe a música ou faz a música primeiro – no caso da Zélia por exemplo.

L:    Tem algumas letras que você ao ler vê que já tem a música dentro. Acontece também o processo inverso, de eu ter uma música pronta e ao ler a letra eu simplesmente colocá-la sobre a letra. Pois na minha memória musical ficou aquele arquivo de que aquela métrica musical se encaixa com aquela tal letra. Eu dou aula de composição paralelamente à minha carreira e eu faço qualquer pessoa compor música . Ensino técnica de composição. Então eu tenho uma prática muito grande, de muitos anos, dessa urdidura, de como se faz essa trama da canção. Então, pode-se compor pela música, pela melodia, pela harmonia, pelos intervalos, pelo ritmo, pela cadência. O meu processo de composição, portanto é uma inspiração. A transpiração é pequena em relação à inspiração. Já quando me dão uma letra pronta aí existe mais transpiração do que inspiração. Pois eu terei que tirar daquelas palavras o sentido musical delas. Aí existe um trabalho mental.

FC:  Zélia costuma dizer que o Christiaan é o lado pop-hype dela e você seria o lado hippie?

L:    Concordo! Eu não sou uma compositora Pop. A linguagem do Oyens já é assim, tudo o que ele faz é Pop. Eu não. Eu sou um fruto da MPB mesmo! Eu faço um Pop a partir da MPB e não a partir do POP Isso cria um diferencial, podem notar que minhas músicas embora sejam feitas para a Zélia, têm um toque na harmonia que é diferente. Isso tudo por causa da minha base que é a MPB. Sou cria da Bossa Nova, e isso faz esse diferencial. Eu tenho essa coisa bem ligada na natureza – ela gosta de falar que eu sou uma “sementinha brejeira” . Uma brincadeira dela.

 FC:  Quais foram suas influências musicais?

L:    Desde criança as guarânias de Mato Grosso. Também tenho uma forte influência Africana porque eu trabalho com ritmos há muito tempo. E trabalho inclusive como é que esses ritmos funcionam energeticamente dentro e fora do corpo da gente. Existe uma consciência muito forte energética quando eu estou tocando o tambor, por exemplo. Sei o que aquele ritmo está fazendo de movimento na pessoa. Tenho também a coisa harmônica, que é a Bossa Nova mesmo. Menos Samba, mais Bossa Nova. E como eu pesquiso muito, eu e a Luli tivemos um programa de rádio em São Paulo durante um ano onde a gente fazia uma pesquisa de tudo que existe de bom na Música contemporânea Brasileira. Também por ser alternativa por tantos anos e por causa do programa eu recebi muito material do Brasil inteiro sobre isso. Então eu conheço profundamente todo o regional que rola por aí e gosto muito. E como eu toco viola caipira também, pesa muito essa parte de regional da viola. Tudo isso faz parte da minha influência.

FC:  Algum cantor e compositor teve alguma influência no seu trabalho?

L:  Eu sou completamente influenciada por Gil, por Caetano, por Tom - demais! – essas pessoas, minhas contemporâneas, mas que eu aprecio demais! Também alguma escola de música clássica. Tenho paixão pelos Russos, Brahms, Satie e das melodias de Chopin. As pessoas costumam dizer que eu sou “Chopina”, a rainha da canção, pois eu tenho uma coisa com a melodia muito forte. Meu professor de música, Hélio Senna costumava dizer isso para mim: “Você é romântica”! Isso é uma coisa da canção romântica.

FC:  Que música você escuta?

L:   Eu adoro Chico, gosto de Rosa Passos, de Gil, de Jocelyn Smith, adoro música africana, Tchaickovisky e Rachmanninov . Escuto tudo. Se me mandarem uma fita eu escuto.

FC:  Quem é o seu poeta favorito, um romancista e se tem algum livro especial que tenha marcado a história de sua vida?

L:   É o Drummond. Sou louca por ele. Adoro Milan Kundera. Os livros dele de uma forma geral me marcaram bastante. Todos. Tem um livro que eu li dele que me impressionou muito, “A Brincadeira”. Gabriel Garcia Marques também é um grande, já marcou todo mundo e a mim também. São esses. Mas tenho um xodó com o Kundera pois minha sensação é de que se eu fosse escrever seria exatamente aquilo que ele escreve. Seria minha alma gêmea, tenho uma estranha sensação em relação à ele. Como se fosse eu!

FC:  Você não acha que os artistas hoje tidos como independentes ou criativos são os que mais traduzem através do seu trabalho a verdadeira qualidade da Música Brasileira?

L:    Acho sim, porque você consegue fazer aquilo que você quer, e isso é a liberdade de expressão. Para mim isso é tudo!

FC:  Como você define o álbum “Inteira pra mim”? Quais os instrumentos que você toca e , de todos os que já tocou qual foi o seu primeiro e qual o que te define? O CD é um trabalho centrado na percussão?

L:    Meu instrumento primeiro é o violão. Já toquei muito bem a viola caipira, hoje não toco mais. A ordem é violão, percussão e viola caipira. Neste CD a diversidade maior é da percussão porque o Murilo O’Reilly que toca comigo trabalha com a percussão base. O Marcos Suzano toca os pandeiros e as muringas fazendo toda a parte de graves. De metal são aquelas baixelas. Ao invés de usar aquela percussão mais tradicional pelo couro eu optei por usar essa percussão do Murilo que é mais rica ao nível de timbre. Eu tenho uma preocupação muito grande com o timbre. Dos instrumentos, é muito marcante o timbre dos instrumentos de percussão. Porque na realidade a base é toda muito simples e a mesma. Eu não estou diversificando, neste CD é o piano e eventualmente o teclado, o meu violão dando todas as bases, o baixo com uma opção muito forte pelos timbres – é a parte mais técnica mesmo – e o bandolim que o Ney Marques que me dirigiu é um Bandolinista de primeira e eu adoro o tipo de Bandolim moderno que ele faz. O Inteira pra mim é um CD de MPB, música moderna, embora diferenciada. Ela não é aquela MPB que se reconhece, aquela sensação de trio que acompanhava a Elis Regina. Eu assumo todas as influências que estão perto. Eu não preciso fazer uma coisa pura porque eu não sou uma neo-hippie, eu não tenho uma série de modernidades na minha vida, isso existe musicalmente. A essência é MPB.

FC:  Como a percussão apareceu na sua música?

L:   Eu gostava de dar umas batucadas. Eu comecei a frequentar há muitos anos atrás um centro de umbanda branca e um belo dia me pediram para tocar e aí eu passei a tocar mesmo e fui me aprofundar, tive aulas, para aprender o som de musica africana mesmo. Ganhei toda uma parte técnica. Mas o fato de tocar simplesmente eu já toco há muito tempo.

FC:  Projetos futuros?

L:   Esse CD “Inteira pra mim” transformar-se-á num CD chamado Rosa Cálida a ser lançado este ano na Europa, pela Alemanha, na Suíça,Espanha e Portugal – com capa dura, encarte em 3 línguas e livrinho. Serão acrescentadas mais 5 músicas – “Quando a Viola bota as coisas no lugar”, “Uma coisa à toa”, um instrumental chamado “Lua crescente”, e “Sereia do Leblon”. Eu vou cantar em Português. Eu conheço o público suíço, o alemão e o francês, e adoro todos eles, só tenho boas lembranças. Eles vão pela música, pela percussão. A música “Suba na baleia” por exemplo, ao ser explicada a letra eles adoraram. Esse é então um projeto futuro e um projeto futuríssimo e que já começo a gravar em Julho. Eu vou gravar no Rio por um selo que dever ter a veiculação de uma grande gravadora. E deve surpreender um pouco as pessoas por ser uma proposta diferente. Um CD completamente rítmico e com uma forte alusão a pontos ( canções de umbanda, como por exemplo “O Timoneiro” )

- por Sonia Ribeiro/Sueli Poggio (JUL/2000)

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